Minha memória tem cheiro de lixa queimada. Tem gosto de sangue na boca depois de errar um crooked. Ela começa no loading screen. Rodney Mullen girando no eixo do impossível. “Ace of Spades” gritando no fundo enquanto eu tentava não falhar em ser moleque.
Voltar pra Tony Hawk’s Pro Skater 3 + 4 em 2025 é como voltar pra aquele pico velho que já foi demolido. O chão é novo, o grafite é outro, mas o shape ainda sente cada rachadura que só existia na sua cabeça.
É mais bonito. É mais rápido. Mas alguma coisa tá fora do lugar. Alguma coisa que não dá pra reverter com stat point. Talvez seja eu.
Primeiro push no estacionamento vazio
O tutorial tá lá. Bonitinho. Tony Hawk te explica como mandar um kickflip como se você tivesse acabado de nascer em 2001. E tudo bem. Serve pra quem tá voltando depois de anos sem apertar um botão ou pra quem nunca entendeu a diferença entre um ollie e um nollie.
Mas se você já tem calo no dedo de tanto grindar na infância, vai querer pular logo. Nada aqui é realmente novo, só reciclado e reembalado num tom didático. Faltou o jogo reconhecer: quem tá aqui sabe o que veio buscar. E não precisa do Hawk explicando como apertar X e depois quadrado.
Ainda assim, é funcional. Cumpre a função de apresentar a lógica de combo, os tipos de manobras e a importância do timing. Serve mais como aquecimento do que como aula.
Jogabilidade com manual eterno na nostalgia
Bem, skate é ritmo. É repetir até doer, até acertar, até sangrar e sorrir. E Tony Hawk’s Pro Skater 3 + 4 ainda entende isso. A física é aquela mesma ilusão deliciosa de controle total:você voa, gira, desliza, inventa uma linha no improviso e, se falhar, a culpa é sua.
Ou do dedo nervoso no D-pad.
O gameplay é firme. Combos ainda são uma dança suja entre o realismo e a trapaça estilizada. Flip pra grind, manual, revert, special. Você sabe. Esse jogo ainda premia quem decora o mapa como quem decora a rua do rolê. Cada corrimão é uma chance de redenção.

Mas nem tudo volta com o mesmo gás. Tem algo de… mais lento. Talvez seja o delay entre o que a mente lembra e o que o dedo realmente executa. Ou talvez seja só o tempo. Nosso tempo. Que agora briga com timers de dois minutos como se ainda fosse 2002.
O level design colabora, mas o peso da repetição aparece mais rápido aqui do que nos remakes do 1 + 2. Talvez porque esses jogos, em sua origem, já não tinham o mesmo impacto. Talvez porque a falta de surpresas arranhe mais do que o grind.
Ainda assim (e talvez por isso mesmo) encaixar aquele combo de 150 mil sem errar nenhuma transição ainda me faz sentir vivo. E isso, pra um skatista, vale mais que platinar o jogo.
A física ainda mente bem o suficiente pra você acreditar que é o Bam Majera fazendo combo de 200 mil sem suar
O gameplay mantém a base sólida dos remakes de THPS 1+2: controle preciso, resposta imediata, e aquele ritmo frenético que transforma dois minutos em maratona mental.
A engine foi otimizada, e tanto o D-pad quanto o analógico funcionam bem, embora o D-pad ainda seja rei pra quem quer manter o flow dos combos com consistência. A introdução universal de spine transfer, manual revert e wallplant desde o início em ambos os jogos unifica a jogabilidade, criando uma progressão mais fluida, principalmente se você alterna entre as campanhas de THPS 3 e 4.
Como reencontrar seu antigo pico de rolê
Voltar pros mapas de Tony Hawk’s Pro Skater 3 e do 4 é como revisitar a praça onde você aprendeu a cair sem chorar. A fonte ainda tá lá. O corrimão também. Mas o grafite tá apagado e a lanchonete fechou. E é nesse quase que mora a frustração.
Cruzar o Airport em 2025 é como rever um amigo de infância que ainda sabe seu apelido idiota. E ainda te dá a linha perfeita pra um special de 300 mil
Alguns cenários são pura memória muscular. Você dropa no Airport, acerta a linha entre os bancos e os trilhos, e já sabe onde vai encaixar o manual antes mesmo de apertar os botões.
A curva certa tá onde sempre esteve. Porém, agora ela brilha com texturas em 4K.
Foundry ainda te joga faísca na cara. Cruise Ship continua parecendo um mapa bêbado feito por um moleque genial com problema de atenção. E isso é um elogio. Já Kona segue sendo espaçosa demais pra sua própria diversão, e Zoo… bom, agora é só um cemitério de NPCs invisíveis. Literalmente vazio, sem alma, como se alguém tivesse deletado a infância dali.

E aí vêm os mapas novos: Water Park e Pinball. Parecem convidados estranhos numa festa de reencontro. Só que funcionam. Water Park, principalmente, acerta em cheio na proposta: piscinas vazias, escorregadores rachados, aquele visual decadente perfeito pra um ollie existencial.
A ausência de Chicago e Carnival dói. No entanto, a verdade é que, no geral, os mapas estão bem reconstruídos, com design pensado pra manter o flow dos combos, distribuir bem os objetos, e deixar espaço pra falhar com estilo.
Uma trilha sonora sem música e sem alma
Skate sem música é só deslocamento. É rodinha girando em silêncio. Parece que os desenvolvedores se esqueceram disso nesta sequência.
Afinal, em THPS 1+2, a Vicarious Visions entendeu o valor de uma playlist como parte do DNA. Refez o jogo com a trilha colada na alma do skatista. Era um reencontro com cheiro de suor e som de Goldfinger. Já aqui… é como se alguém ligasse a caixa JBL e dissesse: “Confia, essa é boa também.”
Uma amputação sonora que não dá pra passar pano
De 55 músicas originais que marcaram gerações, só 10 voltaram. Dez. Isso mesmo. Uma amputação sonora. E pior: não é por direito autoral. Bandas disseram que nem foram procuradas. Faltou vontade. Faltou tato. Faltou respeito com a memória afetiva de quem jogou isso ouvindo Bodyjar, Suicidal Tendencies e AC/DC no talo.
E antes que alguém diga “faz uma playlist no Spotify”, eu digo: não é a mesma coisa. A música precisa vir de dentro do jogo. Ela precisa explodir no drop, travar no revert, pulsar quando o tempo zera e você ainda tá em combo no ar. Ela precisa ser o sangue.
Claro, tem coisa nova que bate. Kick Push do Lupe Fiasco é acerto. Roller da St. Cecilia entrou direto na minha playlist de rolê noturno. Entretanto isso não apaga o fato de que 80% da alma sonora original foi deixada no canto da pista.
A trilha de THPS 3 + 4 não erra por ser ruim, mas erra por esquecer que ela era metade dos dois jogos
Visual e performance com textura de lixa e brilho de shape novo
Isso não dá pra negar: tá bonito. Não é bonito como a cicatriz no joelho que você aprendeu a gostar. É bonito como shape novo: liso demais, quase sem história.
Os gráficos seguem o padrão polido dos remakes anteriores: texturas nítidas, sombras bem resolvidas, iluminação que brilha até em mapa meia-boca. Foundry parece o inferno industrial que sempre foi, só que agora em HDR.

O jogo é liso, mas skate bom deixa marca no chão e nesse remake, parece que passaram cera demais
Cruise Ship balança com reflexos que quase te distraem da linha. Até o metal do corrimão parece recém-encerado.
A performance? Suave como um nollie bem encaixado.
Rodou cravado nos 60 fps no PC, mesmo com partículas voando, objetos quebrando e combos estourando a tela. Nenhum bug relevante, nenhum crash, nenhuma desculpa.
Mas aí vem o porém. A estética parece lavada. Não suja, não ruidosa, não… skater. A vibe da virada dos anos 2000 tá ali, meio pasteurizada. É como se tivessem passado um filtro de Instagram em cima de VHS antigo. Funciona, contudo não arrepia.
Quando a session vira campeonato
Dois minutos. Não precisa mais que isso pra virar herói ou se esborrachar tentando.
A estrutura clássica tá de volta: mapas travados por progressão, objetivos espalhados como checkpoints da sua sanidade, e aquela contagem regressiva que morde os calcanhares enquanto você tenta fazer 200 mil pontos e ainda lembrar onde estava a letra “K”.
Não tem inovação aqui. E não é promessa de reinvenção. É um reencontro com a fórmula que funcionou por tanto tempo que virou vício. E, como todo vício, você odeia enquanto ama. Bate a frustração, depois vem a adrenalina. O combo encaixa, o special entra, o juiz sorri (ou não).
As competições continuam sendo os momentos mais suculentos. Três tentativas. Nada garantido. Você precisa dançar no eixo do controle e da loucura. É como se o jogo dissesse: mostra quem você é de verdade, sem tutorial, sem perdão.

Aqui, cada segundo vira prego no shape: ou você acerta a linha, ou vira parte do chão
Já a campanha de THPS 4, que originalmente era mais aberta, virou peça encaixada à força nesse molde engessado. Tiraram o papo com NPC, limaram missões icônicas, e reduziram a exploração a um modo cronometrado como qualquer outro. Não é ruim. Só perdeu o que fazia dela… diferente.
Ainda assim, cada run entrega o que promete: suor, memória muscular, e o eterno prazer de mandar o 900 no último segundo.
Editor de pistas e extras
Skatista bom vê obstáculo onde ninguém vê. Skatista obcecado cria o próprio inferno.
O park editor de Tony Hawk’s Pro Skater 3 + 4 segue a mesma linha dos remakes anteriores, mas agora tem um trunfo novo: dá pra criar seus próprios objetivos. Isso muda bastante coisa.
Antes, era só cenário. Agora, é missão… Você coloca os obstáculos, define o desafio, e vê se alguém sobrevive à maluquice que você inventou. Combo de 200 mil com manual entre corrimões suspensos? Vai fundo. Um “encontre a fita” impossível no canto mais sujo do mapa? Por que não?
Funciona bem. A interface é simples. O limite é sua frustração. O jogo ainda oferece filtros visuais, efeitos especiais e destraváveis que não mudam o gameplay, mas alimentam o vício de desbloquear coisa nova.
Roupas, shapes, efeitos de grind. É cosmético, mas é skate. A gente gosta de parecer mais rápido mesmo sem ser. Dá pra perder horas aqui. E no fim, é isso que mantém o jogo vivo depois que você já pegou todas as letras e fez todas as linhas.
Criar um parque em THPS 3 + 4 é como rabiscar num muro: começa sem saber o que tá fazendo, termina com uma assinatura que só você entende

Novos skatistas e conteúdo inédito: truque novo ou repeteco?
Entrar no menu de seleção e ver caras novas lado a lado com os veteranos é tipo colar na praça e trombar um moleque de 12 acertando flip blunt na primeira tentativa. Você não sabe se aplaude ou se sente velho. Talvez os dois.
A lista de skatistas traz de volta os nomes clássicos — Tony Hawk, Mullen, Burnquist — e mistura com a turma mais recente: Lizzie Armanto, Tyshawn Jones, Leo Baker e outros. Cada um com seu estilo, stats distintos e visuais bem representados. Tem diversidade. Tem presença. E isso importa.
O Brasil marca presença tripla. Bob Burnquist voltou, como tem que ser. O switch eterno, o vôo limpo, o ídolo da geração VHS.

A nova geração tá bem representada, mas quem cresceu no DualShock 2 ainda vai correr direto pros nomes que já conhece de cor
Letícia Bufoni mantém a postura afiada: ágil, técnica, agressiva.
E aí vem Rayssa Leal, a Fadinha.
Menor de todas, maior impacto.
A moleca de Imperatriz com o sorriso que virou medalha olímpica e manobra de responsa. Ela tá no jogo. E é jogável. Representa o presente. Representa o futuro. Ver o nome dela ali na mesma lista que Hawk é o tipo de coisa que faz a ficha cair: o skate mudou. E pra melhor.
O jogo também desbloqueia personagens secretos como Michelangelo (sim, o ninja tartaruga), o que adiciona um tempero caótico à mistura. É legal? Legal. Mas é o tipo de fanservice que dura duas sessões e vira meme.

Além disso, os pontos de skill agora são compartilhados entre THPS 3 e 4, o que deixa a progressão menos fragmentada. Moedas e desbloqueáveis vão para uma conta unificada, o que ajuda a manter o ritmo do jogo, especialmente pra quem troca de campanha o tempo todo. Pequena mudança, grande alívio.
Os efeitos visuais extras, como trilhas brilhantes no grind e partículas de impacto, são dispensáveis. Bom no começo, depois você desliga. É como roda neon em shape de madeira: chama atenção, mas não muda o rolê.
Vale a pena jogar Tony Hawk’s Pro Skater 3 + 4?
Tony Hawk’s Pro Skater 3 + 4 é o mesmo chute na canela de sempre, só que com menos trilha, mais polimento e uma alma que às vezes parece estar tentando lembrar quem foi.
A jogabilidade continua afiada. O flow ainda vicia. As fases clássicas brilham quando o mapa colabora. E quando não colaboram, você insiste mesmo assim, por respeito. Porque já passou noites tentando pegar aquela fita escondida. Porque o dedo ainda lembra o movimento mesmo quando o joystick mudou de geração.
É um baita pacote? É. É essencial? Nem sempre. Comparado ao remake do 1+2, esse aqui soa menos urgente, menos completo. Soa… seguro demais.
Só que aí você manda aquele nosegrind até o fim do corrimão, acerta o special no fim do timer, escuta a skatista que cresceu no Brasil ganhar aplausos digitais, e tudo faz sentido por um segundo.
É pra quem jogou. É pra quem sente falta. E mesmo com a trilha incompleta e a ousadia cortada pela metade, ainda tem algo aqui que bate diferente. Não é perfeição. É memória em movimento. E isso basta.
Jogabilidade ainda sólida, fluida e viciante
Mapas clássicos bem remasterizados, com bom visual
Inclusão de skatistas brasileiros da nova geração
Novos mapas como Water Park e Pinball funcionam muito bem
Editor de pistas mais completo, com criação de objetivos
Desempenho técnico excelente (60 fps estáveis, sem bugs relevantes)
Progressão unificada entre os dois jogos facilita o ritmo
Trilha sonora decepcionante: só 10 faixas clássicas voltaram
THPS 4 forçado no molde de 2 minutos, perde sua essência original
Ausência sentida de mapas como Chicago e Carnival
Falta de inovação real com uma fórmula que começa a cansar
Estética “limpa demais”, falta sujeira e alma em algumas ambientações
Tony Hawk’s Pro Skater 3 + 4 foi gentilmente cedido pela Activision em versão para PC para a realização desta análise.