A batalha judicial entre Nintendo e Pocketpair (desenvolvedora do Palworld) acabou de tomar uma direção que pode mudar para sempre o cenário da criação independente nos videogames. Em uma jogada controversa no Tribunal Distrital de Tóquio, a gigante japonesa está argumentando que modificações (mods) não deveriam ser consideradas “arte prévia” em disputas de patentes. Se essa estratégia funcionar, pode ser o início do fim para a comunidade de modders como a conhecemos hoje.
A decisão da Nintendo não é apenas sobre o caso Palworld – é um precedente que pode afetar milhões de criadores independentes ao redor do mundo que dedicam tempo e talento para expandir e reimaginar seus jogos favoritos.
O que está realmente em jogo nesta disputa
Para entender a gravidade da situação, precisamos voltar ao básico do direito de patentes. Quando alguém registra uma patente, ela só é válida se a ideia for genuinamente original. É aqui que entra o conceito de “arte prévia” – qualquer evidência de que aquela mecânica ou conceito já existia antes do registro da patente.
A Pocketpair, em sua defesa, reuniu diversos exemplos de mods que implementaram mecânicas similares às patenteadas pela Nintendo em 2021. Um dos casos mais emblemáticos é o Pocket Souls, uma modificação para Dark Souls 3 que transformou o jogo sombrio em uma aventura no estilo Pokémon, completa com batalhas de treinadores e captura de criaturas.
O argumento da defesa é simples e lógico: se modders já estavam criando essas mecânicas antes de 2021, então a Nintendo não pode reivindicar exclusividade sobre elas. Mas a empresa japonesa discorda veementemente.
A estratégia arriscada da Nintendo
A posição da Nintendo é que mods não deveriam contar como arte prévia porque dependem de outros jogos para funcionar. Em outras palavras, eles argumentam que uma modificação não é uma criação independente e, portanto, não deveria ter peso legal para invalidar patentes.
Florian Müller, especialista em litígios da Gamesfray, não poupou críticas a essa abordagem, chamando-a de “quase insultante”. E ele tem razões para estar preocupado. Se os tribunais aceitarem esse argumento, estaremos abrindo um precedente extremamente perigoso para toda a indústria.
Imagine um cenário onde grandes empresas podem simplesmente ignorar a criatividade dos modders, registrar patentes sobre mecânicas que eles desenvolveram primeiro, e depois processá-los por usar suas próprias criações. Parece um pesadelo distópico, mas pode ser nossa nova realidade.
Quando mods se tornaram gigantes da indústria
A ironia de tudo isso fica ainda mais evidente quando lembramos que alguns dos jogos mais influentes da história começaram exatamente como mods. Counter-Strike, por exemplo, nasceu como uma modificação para Half-Life em 1999. O que começou como um projeto de fãs se tornou uma das franquias de FPS mais lucrativas do mundo.
Pela lógica que a Nintendo está propondo, Counter-Strike não seria considerado inovação real. Isso significa que qualquer empresa poderia, teoricamente, patentar as mecânicas que fizeram o jogo famoso, mesmo anos depois de sua criação original.
Também temos outros exemplos na indústria: Defense of the Ancients (DotA) começou como um mod de Warcraft III e gerou todo o gênero MOBA. Dayz transformou um mod de Arma 2 em um fenômeno standalone. A lista continua, mas o padrão é claro – muitas das inovações mais importantes dos games vieram da criatividade não-corporativa.
O que os modders podem fazer para se proteger
Se a Nintendo vencer essa batalha, os modders ficarão em uma posição extremamente vulnerável. A única proteção real seria registrar suas próprias patentes, mas isso é uma realidade distante para a maioria dos criadores independentes. Patentes são caras, complexas e exigem recursos que hobbyistas raramente possuem.
Nos Estados Unidos, a situação é ainda mais preocupante. Lá, uma empresa poderia teoricamente “roubar” uma ideia de um mod e registrar a patente em menos de um ano após o lançamento da modificação. É um sistema que favorece completamente quem tem dinheiro e advogados, não quem tem criatividade e inovação.
Além de Palworld: um padrão preocupante
Este caso não é um evento isolado. A Nintendo tem demonstrado uma agressividade crescente na proteção de suas propriedades intelectuais. Recentemente, a empresa conseguiu registrar uma patente nos EUA para algo tão básico quanto invocar um personagem para atacar automaticamente em um jogo.
O timing também é suspeito. Enquanto processa a Pocketpair por supostas violações de patente, a própria Nintendo apresentou Pokémon Pokopia em seu Nintendo Direct, um jogo que inclui mecânicas de construção de base – exatamente o tipo de elemento presente no Palworld e no Minecraft.
Essa aparente contradição levanta questões sobre a verdadeira motivação por trás dessa batalha legal. Será proteção legítima de propriedade intelectual ou tentativa de sufocar a concorrência?
O futuro da criatividade independente está em risco
O que mais preocupa especialistas é que essa estratégia da Nintendo pode criar um efeito dominó. Se uma das maiores empresas de games conseguir estabelecer que mods não são arte prévia válida, outras grandes corporações certamente seguirão o exemplo.
Isso criaria um ambiente onde a inovação genuína seria sufocada em favor da proteção corporativa. Modders, que historicamente foram responsáveis por algumas das mecânicas mais criativas e influentes dos games, ficariam sem proteção legal contra grandes empresas que decidissem “apropriar” suas ideias.
O veredicto ainda está longe
Por enquanto, o caso está praticamente paralisado devido às mudanças que a Nintendo fez em suas patentes durante o processo. O tribunal só deve compartilhar uma visão preliminar com as partes em 2026, o que significa que essa incerteza vai continuar pairando sobre a comunidade de modders por bastante tempo.
Mas uma coisa é certa: o resultado deste caso vai muito além da disputa entre Nintendo e Pocketpair. Ele pode definir se a criatividade independente terá espaço para florescer no futuro dos videogames, ou se será sufocada pelo peso das patentes corporativas.
Para os milhões de modders ao redor do mundo que dedicam suas noites e fins de semana para criar experiências incríveis gratuitamente, este é um momento decisivo. A comunidade de games está assistindo, e o veredicto pode determinar se a próxima geração de inovações virá dos laboratórios corporativos ou dos quartos de criadores apaixonados.
Fonte: windowscentral