As “Luzes da Morte”: o colapso do Xbox 360 que fez a Microsoft perder mais de US$ 1 bilhão

Na madrugada de 22 de novembro de 2005, milhares de fãs nos Estados Unidos enfrentaram filas quilométricas para colocar as mãos no novo Xbox 360. O console prometia gráficos incomparáveis e foi lançado antes das opções de Sony e Nintendo para aquela geração , um trunfo estratégico da Microsoft.

A demanda foi tão explosiva que em poucos dias o videogame desapareceu das prateleiras. No eBay, havia gente pagando até US$ 2.500 por um console que custava oficialmente US$ 399. Na Europa, onde o aparelho desembarcou semanas depois, a expectativa era de 300 mil unidades vendidas logo no lançamento, dentro de um plano ambicioso de 3 milhões nos três primeiros meses.

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Mas, no meio da euforia, surgiram sinais perturbadores. Ainda no dia do lançamento, fóruns e blogs começaram a registrar relatos de unidades que superaqueciam, travavam ou simplesmente desligavam após alguns minutos de uso. Alguns reclamavam de erros no Xbox Live, outros de problemas no disco rígido.

A Microsoft tentou conter a crise de percepção: Molly O’Donnell, gerente de relações públicas da empresa na época, afirmou ao GameSpot que se tratava de “chamados isolados, bem abaixo da média esperada em um lançamento desse porte”. A versão oficial era de que usuários colocavam a fonte em locais sem ventilação, forçando o desligamento automático. Mas a impressão que ficou para muitos jogadores era a de que o console tinha sido lançado às pressas para bater os rivais no tempo — e não na confiabilidade.

Ao longo da jornada do console, ficou evidente que era um problema muito maior do que aparentava inicialmente. Nesse artigo vamos relembrar toda a polêmica em torno de Red Ring of Death, apelidado no Brasil de “Luzes da Morte”. Vamos nessa!

O primeiro processo 

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Em dezembro de 2005 veio o primeiro processo: Robert Byers, de Chicago, entrou com uma ação contra a Microsoft alegando que o Xbox 360 travava devido a variações de temperatura e pedia recall imediato. A denúncia reforçava a suspeita de que a pressa havia custado caro à qualidade do produto.

Apesar dos rumores, as vendas continuaram aceleradas. Em 2006, a Microsoft projetava 10 milhões de consoles vendidos até o fim do ano seguinte. No Brasil, o Xbox 360 chegou oficialmente em 1º de dezembro de 2006, com preço oficial de R$ 2.999. Daniel Cervantes, diretor da divisão para a América Latina na época, dizia com confiança: “O Brasil será nosso maior mercado latino em cinco anos”.

A estratégia agressiva de entrada no país reforçava o otimismo da empresa. Mas, em fóruns e sites, os relatos de falhas seguiam crescendo. Ainda que os problemas não dominassem a narrativa pública, internamente a Microsoft já sabia que o Red Ring of Death (RROD) era mais do que simples relatos pontuais.

O colapso se torna impossível de esconder

Com 11,6 milhões de consoles vendidos, a Microsoft se viu diante de uma estatística brutal. Um número inaceitável de unidades simplesmente parava de funcionar, exibindo três luzes vermelhas no painel. A imprensa falava em até um terço dos aparelhos afetados.

Em julho de 2007, Robbie Bach, presidente da divisão de entretenimento, admitiu: a empresa precisaria gastar até US$ 1,15 bilhão em reparos. Foi um dos maiores gastos já registrados por uma empresa para corrigir defeitos em um único produto.

Nos bastidores, o tom foi dramático. Peter Moore, então chefe da divisão Xbox, contou no quinto episódio do documentário Power On: The Story of Xbox que apresentou a estimativa de US$ 1,15 bilhão ao CEO Steve Ballmer e deixou claro que a sobrevivência da marca estava em jogo. ‘Se não tivéssemos feito o que fizemos, não tenho certeza se a marca Xbox estaria por aqui hoje’, afirmou.

Peter Moore
Peter Moore

O plano era ousado: enviar caixas via FedEx para recolher consoles em todo o mundo, consertar ou substituir rapidamente e devolver aos jogadores. Só com transporte, a Microsoft gastou US$ 240 milhões. O trimestre abril–junho fechou com US$ 1,2 bilhão de prejuízo, e o ano fiscal de 2007 terminou com perdas de quase US$ 2 bilhões para a divisão de games da empresa.

Mas a mensagem estava dada: nenhum jogador ficaria sem suporte. A garantia foi estendida para três anos, e a Microsoft assumiu a culpa de forma inédita no setor.

Engenharia em modo de sobrevivência

Enquanto milhões de consoles iam e voltavam dos centros de assistência, os engenheiros da Microsoft corriam contra o tempo para entender o que estava acontecendo.  O veredito foi implacável: o 360 estava literalmente se destruindo por dentro.

Cada vez que o console aquecia em longas sessões de jogo e esfriava ao ser desligado, as soldas que prendiam a GPU à placa-mãe sofriam microfissuras. Como eram feitas sem chumbo, mais frágeis do que a liga tradicional, acabavam cedendo. Bastava a conexão da Xenos, a GPU, se soltar, e o Xbox 360 exibia seu sinal de falha irreversível: as três Luzes da Morte.

As respostas vieram em ondas, com as revisões do console

  • Falcon (2007): CPU em 65 nm, menos consumo, menos calor.

  • Jasper (2008): GPU também em 65 nm, praticamente zerando os RRODs. Taxa de falhas caiu para menos de 4%.

  • Slim (2010): redesign completo, CPU e GPU integrados em 45 nm e ventilação repensada. O anel luminoso foi substituído por um botão — um fim simbólico ao fantasma do RROD.

Branding salvo, mas com cicatrizes

Financeiramente, a divisão Xbox sangrou. Em 2007, a Microsoft reportou uma perda operacional de mais de US$ 1,9 bilhão, grande parte atribuída à crise do RROD. No entanto, a aposta em salvar a marca deu frutos. Em 2008, divisão Xbox teve seu primeiro lucro anual desde a criação da marca.

  • US$ 426 milhões de lucro para a divisão Xbox.

  • Vendas de hardware, jogos e Live cresceram 34%.

  • Receita total chegou a US$ 8,1 bilhões, com margem positiva e confiança renovada — tudo em menos de 12 meses.

Apesar da crise bilionária e da mancha no início de sua trajetória, o Xbox 360 provou a força da Microsoft em reagir. Ao usar o trunfo de ter caixa para investir pesado em reparos, logística e marketing, a empresa conseguiu virar o jogo.

O console se consolidou como um dos maiores sucessos da história da marca, sendo até hoje o único Xbox que realmente ameaçou a soberania da Sony em vendas — em parte porque o PlayStation 3 também tropeçava em seu lançamento com preço alto e dificuldades de desenvolvimento.

No balanço final, o Xbox 360 ficou marcado por dois legados contrastantes: de um lado, o símbolo negativo das “luzes da morte”, que traumatizou milhões de jogadores; de outro, a plataforma que trouxe franquias inesquecíveis, consolidou o Xbox Live como padrão de jogos online e projetou a marca para competir de igual para igual com a Sony.

Até hoje, o 360 segue como o console mais vendido da história da Microsoft, com mais de 84 milhões de unidades vendidas. A prova de que, mesmo após uma falha técnica colossal, a empresa conseguiu transformar um fiasco em um produto histórico em sua trajetória.

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